O
piano está coberto de pó, camada invisível de poeiras que vagueiam ser serem
vistas e que tapam a beleza mais pacífica da divisão. O preto e branco, ainda
assim, são visíveis, tons esbatidos por aquela camada de imperfeição. O tempo é
demasiadamente pouco para que os dedos toquem aquelas claves e se percam nas
melodias inacabadas. Voltar ali seria voltar ao passado, retomar o que ficou
estagnado. Voltar a tocar no piano que ritmadamente coordena a consciência e engana
a mente entre um sol e um dó mais ou menos rápido. Os dedos entrecruzam-se num
ápice tão grande que engana o olhar, fixo apenas em pretos desenhos em papel de
um branco sujo pelo tempo. Voltar a soltar um Fá seria retomar a um passado do
que fui, partes perdidas nas correrias do tempo. Seria voltar a tocar melodias
de amores, de felicidades, de tristezas e de desilusões. Mas o coração não
resiste, a mente prepara-se e os dedos entrecruzam-se num ritmo demasiado
apressado para que os olhos acompanhem.
E
a poeira que teimava em cobrir o piano rapidamente se desvanece para que possa
soltar-se de novo a melodia. E agora, a grande questão será: que melodia tocar?